segunda-feira, 21 de março de 2011

Série: Fundamentos bíblicos para o discipulado I

Introdução (Parte 2): No caminho de Emaús
Lucas 24: 13-35

(Ceia em Emaús, Rembrandt, 1648)

O texto continua e diz que “os seus olhos, porém, estavam como que impedidos de o reconhecer”. Como assim? O texto não explica exatamente. Talvez eles tenham notado alguma semelhança entre aquele “forasteiro” e seu querido mestre. Teria Jesus aparecido diante deles sem barba, como no quadro de Caravaggio (ver na postagem anterior)? Talvez eles estivessem tão envolvidos em sua discussão que não o notaram. Às vezes, imaginamos que eles não o reconheceram porque não olharam para trás enquanto conversavam – o que não pode ter sido o caso, uma vez que entraram em casa, conversaram e sentaram-se à mesa sem o reconhecer!
Por que razão aqueles homens olhavam para Jesus, mas não o viam?[1]
É bom lembrar que, acima de tudo, aquele não era o mesmo Jesus que eles conheciam. Tratava-se do Cristo ressurreto! Era o Jesus glorificado? A Palavra de Deus nos ensina que Jesus é as primícias dos que dormem (1 Co. 15:20). O Jesus ressurreto do domingo é tão diferente do Jesus que morreu na sexta-feira quanto nós seremos diferentes do que somos hoje, após a nossa ressurreição. Não sabemos como seremos naquele dia, mas sabemos que seremos diferentes... e melhores! Não sabemos qual a diferença entre o Jesus que apareceu para os discípulos no caminho de Emaús e o Jesus que eles conheciam. Mas havia, sim, uma sensível diferença.
Aqui está diante destes dois homens o Jesus redivivo, revestido pelo poder da glória celestial que o ressuscitou dentre os mortos (Cl. 2:12). É possível que eles tenham notado que se tratava de uma figura bela e imponente. Era certamente uma pessoa agradável a eles. Não fosse assim, não o teriam convidado a ficar com eles após ele ter-lhes chamado de “néscios e tardos de coração” (v. 25)! Algo a respeito daquele homem os prendeu, e eles não conseguiam deixá-lo partir.
A presença de Jesus por si só já era envolvente e atraente para eles, mas sem a sua revelação, não conseguiam entender quem ele era. O Cristo ressurreto precisa andar conosco e abrir os nossos olhos. Caso contrário seremos como o assistente de Eliseu (2 Re. 6:17) ou os homens no caminho de Emaús. Olharemos, mas não veremos.
Cristãos e não cristãos em todo o mundo geralmente reconhecem que Jesus é ou, pelo menos, foi bom.  As pessoas ainda normalmente ficam chocadas quando alguém emite um juízo contrário a respeito de Jesus. Mesmo pessoas que não são religiosas tendem a reconhecer a bondade de Jesus.
Mas o discipulado é mais do que reconhecer a bondade de Jesus. É também muito mais do que buscar simplesmente ser “bom” em termos gerais. É um compromisso específico com o Jesus ressurreto! E muitas vezes as pessoas tem dificuldade em entender isso. É como foi muito bem colocado por Stanley Hauerwas, existe uma diferença entre ser admirador e discípulo de Jesus.
O ser humano tende a se sentir bem ao fazer o bem. É uma conseqüência de termos sido criados à imagem e semelhança de Deus. É algo que Deus plantou em nosso coração e que ainda pode ser visto, apesar dos efeitos da queda e do pecado sobre nossas vidas. Mas o discipulado é muito mais do que simplesmente querer fazer o bem ou aquilo que é certo. É ter esse compromisso de vida com o Jesus ressurreto. Não com “qualquer” Jesus, mas com aquele que ressuscitou ao terceiro dia.
Só que para isso é preciso que aconteça conosco o mesmo que aconteceu com aqueles discípulos. Lemos nos versos 30 e 31: “E aconteceu que, quando estavam à mesa, tomando ele o pão, abençoou-o e, tendo-o partido, lhes deu; então, se lhes abriram os olhos, e o reconheceram”. Jesus espera pelo momento em que parte o pão com eles. É impossível ler a narrativa hoje sem trazer à mente a celebração da ceia do Senhor. É possível que o texto de fato esteja sutilmente sugerindo que no partir do pão, na celebração do corpo de Cristo que os nossos olhos são abertos para que possamos exclamar: “É Jesus!”
De qualquer forma deve realmente ter sido uma maravilhosa experiência para aqueles homens descobrir que aquele homem que lhes falava era, na realidade, seu querido mestre Jesus.
E então ele desaparece.
E agora? Será que eles ficarão novamente perdidos pelo caminho? Agora que finalmente compreenderam que quem estava com eles era Jesus ele lhes deixa mais uma vez sozinhos? Ou será que Cristo de fato lhes havia mostrado o caminho a seguir?
No verso 32 eles se perguntam “Porventura, não nos ardia o coração, quando ele, pelo caminho, nos falava, quando nos expunha as Escrituras?” Claro que outro ponto importante do discipulado é que a leitura das escrituras no contexto desse compromisso com o Cristo ressurreto faz com que nossos corações “queimem”. A Palavra de Deus deixa de ser vista como um texto  como outro qualquer e é percebida como Deus falando conosco! Você já parou para pensar nesse grande milagre, de Deus se comunicar conosco e se revelar a nós na sua Palavra? Deus se revela a nós e nos mostra quem ele é simplesmente por que ele mesmo quis! É ele mesmo que toma a iniciativa!
Em nossa celebração diária e contínua de comunhão uns com os outros e no conhecimento de sua palavra Jesus se mostra a nós. Ele aparece e diz “Estou aqui! Sou Eu!” E quando isso acontece, quando ele se revela e quando você entende as Escrituras o seu coração pega fogo! E o que você faz? O que aqueles discípulos deveriam fazer? Jesus lhes apareceu, comeu com eles, lhes expôs as Escrituras. E agora? Agora será só dormir tranquilos em sua casinha em Emaús?
De maneira nenhuma! Eles fazem o caminho de volta e vão para onde deveriam estar. Voltam para Jerusalém! “E, na mesma hora, levantando-se, voltaram para Jerusalém, onde acharam reunidos os onze e outros com eles” (v.33).
A forma como Lucas apresenta a narrativa dos discípulos é também muito importante: “Então, os dois contaram o que lhes acontecera no caminho e como fora por eles reconhecido no partir do pão” (v. 35). Jesus fora reconhecido no partir do pão. Eu creio que Lucas usa estas palavras de forma proposital, para mais uma vez remeter à realidade da celebração da ceia do Senhor, o partir do pão. Quando estamos em comunhão com Deus, uns com os outros, vivendo juntos a vida de celebração em Cristo, nossos olhos são abertos para que cresçamos e aprendamos a ser discípulos.
Ser discípulo é conhecer a Jesus e andar com ele. Mas para isso é preciso também partir o pão. E isto não é feito na individualidade, mas como um corpo. Partimos o pão juntos. Discipulado é algo que diz respeito à comunidade cristã. Ninguém consegue ser discípulo de Jesus sozinho, em isolamento. Na igreja, precisamos uns dos outros. Ser discípulo é estar em relacionamento direto com o Cristo ressuscitado e estar em relacionamento direto com os irmãos.
São, portanto, três os pontos básicos sobre o discipulado que vão nos nortear em nossos estudos. O primeiro é que Discipulado é comunhão com o Jesus ressurreto; o segundo é que o discipulado depende da iniciativa deste Jesus em nos alcançar, nos chamar para si, e revelar quem ele é e o que ele requer de nós; em terceiro lugar, o discipulado precisa ser vivenciado juntamente com outros discípulos, em comunhão com Deus e uns com os outros.
A partir destes pontos básicos começamos nossa jornada do discipulado.


[1] O tema do “olhar, mas não ver” é central também para o Evangelho de Marcos, como veremos em estudos posteriores.




Nenhum comentário:

Postar um comentário