quinta-feira, 16 de junho de 2011

Rute: amor de verdade


A história de Rute atrai a admiração – feminina, em particular – e não sem motivos. Rute é a boa moça que muda completamente o curso de sua vida ao conhecer seu noivo. Boaz, por sua vez, é quase a personificação do príncipe encantado. Ele é gentil, bondoso e rico. Noemi, a sogra de Rute, não fez nenhuma mágica de fadas, mas certamente foi crucial para que o romance acontecesse, com seus sábios conselhos. Romance e final feliz são características narrativas que atraem os suspiros femininos, sem dúvida.
Mas, sem querer diminuir o romantismo e beleza do livro de Rute, acredito ser essencial para uma reflexão mais profunda sobre este texto sagrado uma boa dose de realismo das amarguras sofridas por Rute até o momento em que tudo deu certo. Não apenas isto, mas também pensarmos o que tornou possível todo este acontecimento em sua vida.
Os eventos ocorrem na época dos Juízes. Uma época marcada por incertezas, em que “não havia rei em Israel, cada um fazia o que lhe parecia reto” (Juizes 21:25). Neste contexto, um período de fome forçou Elimeleque e sua família a deixarem sua terra (Rute 1:1). Foram para Moabe e lá seus filhos se casaram com mulheres moabitas.  Os três homens da família saem de cena, pois morrem todos, e ficam Noemi e suas duas noras.
Ouvindo Noemi que Israel tinha alimento, resolveu voltar e suas noras a acompanharam. A impressão que se tem é que no meio do caminho Noemi repensa a situação de suas noras. Afinal, como seria a vida de uma moabita em Israel? É importante notar que em Israel existia a crença que os Moabitas eram fruto da relação incestuosa de Ló com sua filha mais velha e, portanto, existia um grande desprezo deste povo por parte dos israelitas. Noemi, mulher centrada, perceptiva e sensível reconheceu que a vida em Israel seria difícil para suas noras e abdicou delas. Orfa chorou, chorou alto. E voltou para o seu povo. Mas, Rute se apegou a ela. Apesar de mais uma vez Noemi persuadi-la a voltar, ela foi fiel, mesmo não precisando ser. Ela tinha todo direito de voltar e refazer sua vida. Ela tinha a bênção de sua sábia sogra. Mas, Rute, decidiu não deixar sua sogra sozinha em seu momento mais frágil. Noemi estava voltando vazia para sua terra. Sem marido, sem filhos. Pobre. Consciente da tragédia que Deus tinha enviado a sua vida e, ainda assim, testificando em vários momentos a existência e soberania de Deus. Noemi não perdeu sua confiança em Deus e certamente Rute a viu como grande mentora, como mulher sábia, que confiava em um Deus verdadeiro. Noemi não tinha nada a oferecer a Rute além de sua fé, sabedoria e amor. E Rute, mulher virtuosa, considera tais coisas mais preciosas do que sua segurança, seu povo ou um novo marido.  Que sogra! Que nora!
Rute e Noemi são mulheres de fé, mas são mulheres de iniciativa! Elas não ficaram sentadas lamentando sua viuvez e infortúnios. Rute se oferece para colher espigas, como previsto na lei dada por Deus para proteger os direitos dos menos favorecidos (Deut. 24: 19), e vai parar na plantação que pertence a Boaz. Este, um homem temente a Deus e bastante gentil, sabia reconhecer virtude de longe e foi logo se informar sobre a moça (Rute 2:11). Em uma época de extrema falta de ordem e temor a Deus, Boaz é homem justo e abençoador: “O Senhor lhe retribua o que você tem feito! Que seja ricamente recompensada pelo Senhor, o Deus de Israel, sob cujas asas você veio buscar refúgio!” (Rute 2: 12). Noemi, então, vê a provisão de Deus em colocar Boaz na vida delas sendo ele parente próximo e, portanto, apto a casar com Rute, de acordo com os costumes da época. Existe um único momento de tensão na narrativa que é o fato de outro ser parente mais próximo e ter direito de casar com Rute em lugar de Boaz. Mas, essa possibilidade logo se vai e Boaz casa com Rute.
Umas das passagens mais significativas no livro e a chave para entendermos toda a admiração e interesse de Boaz em Rute, e que acontece no momento em que Rute vai propor Boaz em casamento, são os versículos 10 e 11: “Boaz lhe respondeu: ‘O Senhor a abençoe, minha filha! Este seu gesto de bondade é ainda maior do que o primeiro, pois você poderia ter ido atrás dos mais jovens, ricos ou pobres! (...) Todos os meus concidadãos sabem que você é mulher virtuosa’”. O que caracterizava Rute era o fato de ser uma mulher virtuosa. Alguém de bom ânimo, capaz de reconhecer um bom conselho. As três maiores virtudes cristãs são listadas para nós em 1 Coríntios 13:13: a fé, a esperança e o amor – sendo a maior destas o amor. Rute veio a conhecer e ter fé no Deus de Israel, ela foi perseverante e não ficou paralisada quando a tragédia bateu a sua porta e, também, amou sua sogra, agindo como quem ama de verdade.
Em uma cultura tão centrada na figura masculina, como a do Antigo Oriente, está registrado que Rute foi melhor para Noemi do que sete filhos. O coro de mulheres canta: “Louvado seja o Senhor, que hoje não a (Noemi) deixou sem resgatador! Que o seu nome seja celebrado em Israel! O menino lhe dará nova vida e a sustentará na velhice, pois é filho de sua nora, que a ama e que lhe é melhor do que sete filhos!” (Rute 4:14-15; ênfase minha). Obede nasce e é avô de Davi, pertencente à linha genealógica de Cristo.
Se hoje, para os padrões culturais, mais vale quem é mais poderoso, mais belo ou mais rico, mulheres cristãs de todo o mundo, de todas as culturas e de todas as classes sociais tem na história de Rute grande encorajamento para buscarem as virtudes que importam verdadeiramente. Porque são estas virtudes, a esperança, a fé e o amor que apontam para a eternidade.


Meeting of Ruth and Boaz, by Chagall